A estabilidade no serviço público é uma das garantias mais cobiçadas por aqueles que ingressam no funcionalismo por meio de concurso.
Prevista na Constituição Federal de 1988 e regulamentada pela Lei nº 8.112/1990, essa proteção assegura que, após três anos de estágio probatório, o servidor público efetivo só poderá ser demitido em casos específicos e mediante processo administrativo ou sentença judicial.
No entanto, essa estabilidade não é absoluta, e existem diversas situações nas quais um concursado pode perder seu cargo.
Embora servidores públicos gozem de estabilidade após o cumprimento de certas etapas, eles não estão imunes à demissão. A principal forma de desligamento de um concursado é a demissão por justa causa, que pode ocorrer em casos de infrações graves, tais como:
- Crimes contra a administração pública: Ações como desvio de recursos, fraude em contratos ou favorecimento indevido de terceiros estão entre as principais razões para a demissão. Esses atos configuram crimes de corrupção, que além de levarem à perda do cargo, podem resultar em sanções criminais e civis.
- Abandono de cargo: De acordo com a legislação, um servidor pode ser demitido se faltar consecutivamente por mais de 30 dias sem justificativa ou de maneira intermitente somando 60 dias no ano. Esse tipo de conduta é considerado abandono de função, configurando negligência no cumprimento das obrigações.
- Acumulação ilegal de cargos: A Constituição permite o acúmulo de cargos públicos em algumas situações específicas, como nas áreas de saúde e educação, desde que haja compatibilidade de horários. No entanto, a acumulação irregular ou não autorizada de cargos pode resultar em demissão.
- Uso indevido do cargo para obter vantagens pessoais: Um servidor que utiliza sua posição para obter benefícios particulares ou favorecer terceiros pode ser desligado do serviço público. Isso inclui casos de corrupção, recebimento de propinas ou presentes de empresas ou pessoas que tenham interesses nos serviços prestados pelo órgão público.
- Revelação de segredos: Servidores que divulgam informações sigilosas, que comprometam a segurança ou interesses do órgão público, também estão sujeitos à demissão. Isso inclui vazamentos de dados estratégicos ou confidenciais que possam prejudicar o funcionamento da administração pública.
- Desídia: A desídia, que é o comportamento negligente ou desinteressado no desempenho das funções, pode ser motivo para demissão. Um servidor que constantemente age com imprudência, descumprindo suas responsabilidades, também corre o risco de perder seu cargo.
- Incontinência de conduta: A prática de atos ofensivos, como racismo, machismo, assédio moral ou sexual, pode resultar na demissão do servidor. Esse tipo de infração está relacionado ao comportamento inadequado, que afeta o ambiente de trabalho e os colegas.
- Atos contra a segurança nacional: Práticas que comprometam a segurança do Estado, como a importação ilegal de armas ou sabotagem em instalações públicas, são consideradas graves e podem levar ao afastamento imediato do servidor, seguido da demissão.
O Processo Administrativo Disciplinar (PAD)
Para que um servidor público efetivo seja demitido, não basta a constatação de uma irregularidade. É preciso que haja a instauração de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD), que ocorre em três etapas principais:
- Instauração: Após a denúncia de uma irregularidade, o órgão responsável abre uma sindicância para investigar o caso. Se houver indícios suficientes de que o servidor cometeu uma infração grave, o PAD é instaurado.
- Inquérito: Nesta fase, são ouvidas testemunhas e coletadas provas que confirmem ou refutem a denúncia. O servidor acusado tem o direito à ampla defesa e ao contraditório, podendo apresentar provas e testemunhos que favoreçam sua versão dos fatos.
- Julgamento: Com a conclusão do inquérito, o processo é encaminhado à autoridade competente, que decide pela punição ou absolvição do servidor. Caso a infração seja confirmada, a pena pode variar entre advertência, suspensão e, nos casos mais graves, a demissão.
Se o PAD resultar em demissão, o servidor ainda pode recorrer à Justiça para tentar reverter a decisão, desde que consiga provar que houve falhas no processo ou que a demissão foi injusta. Nesse caso, o funcionário pode ser reintegrado ao cargo com todos os seus direitos preservados.
Diferença entre estabilidade e vitaliciedade
Embora a estabilidade seja uma garantia importante, ela não deve ser confundida com a vitaliciedade. Servidores públicos efetivos, como os aprovados em concursos, adquirem estabilidade após três anos de exercício, conforme previsto pela Constituição. No entanto, alguns cargos específicos, como juízes, membros do Ministério Público e ministros de tribunais de contas, têm o direito à vitaliciedade.
A vitaliciedade é uma proteção ainda mais robusta, pois esses profissionais só podem ser demitidos mediante sentença judicial transitada em julgado. Para adquiri-la, é necessário um período mínimo de dois anos no cargo. Essa distinção torna os membros vitalícios menos vulneráveis a decisões administrativas, reforçando a independência de suas funções.
Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n.º 32/2020: mudanças à vista?
A reforma administrativa proposta pela PEC 32/2020 visa modificar diversas estruturas do serviço público, e um dos pontos mais debatidos é justamente a estabilidade dos servidores. A proposta sugere mudanças significativas, incluindo a criação de novos tipos de vínculos no serviço público.
Uma das inovações sugeridas pela PEC é a criação de contratos típicos de Estado, que manteriam a estabilidade após três anos de experiência. No entanto, outras formas de contratação, como cargos por prazo indeterminado, poderiam ser implementadas, mas sem a garantia de estabilidade. Ou seja, nem todos os futuros servidores teriam essa proteção.
A reforma também propõe a inclusão de uma nova fase no processo de ingresso no serviço público, chamada vínculo de experiência, que funcionaria como um estágio probatório mais longo e rigoroso. Após a aprovação no concurso, o servidor passaria por dois anos de experiência e, se bem avaliado, ingressaria na etapa do estágio probatório tradicional, de mais um ano, totalizando três anos de avaliação.
Estabilidade não é sinônimo de impunidade
Embora a estabilidade traga segurança ao servidor público, permitindo que ele exerça suas funções com menor pressão externa, ela não significa impunidade. A legislação brasileira estabelece uma série de regras e condições para a demissão de servidores concursados, com ênfase em atos que comprometam a ética, a moral e a eficiência do serviço público.
A garantia da estabilidade é fundamental para o bom funcionamento da administração pública, mas deve sempre ser acompanhada de responsabilidade e comprometimento por parte dos servidores. Em casos de desvio de conduta ou infrações graves, o processo disciplinar garante que os direitos do servidor sejam respeitados, ao mesmo tempo em que protege o interesse público.
Assim, é importante entender que o servidor estável pode ser demitido em casos excepcionais, assegurando a integridade da administração pública e a confiança da sociedade no serviço prestado.