O termo “politicamente correto” divide opiniões e provoca acalorados debates no Brasil e no mundo. Desde suas origens como ferramenta de conscientização para combater preconceitos até ser rotulado como censura à liberdade de expressão, a expressão carrega complexidades e camadas de interpretações. Mas, afinal, o que é ser politicamente correto e como esse conceito molda nossa sociedade?
A resposta pode estar nas transformações sociais e culturais que permeiam o cotidiano. Com raízes nos movimentos de esquerda dos anos 1970, o politicamente correto surgiu como uma forma de repensar a linguagem e os comportamentos que marginalizam minorias. Mas sua adoção também gerou reações contrárias, consolidando um debate sobre limites, liberdade e moralidade que continua a evoluir.
Origem e propósito: como tudo começou
O termo politicamente correto começou a ganhar força nas universidades americanas entre as décadas de 1970 e 1990. Segundo o professor de Ética Pública Clive Hamilton, sua gênese está relacionada a uma tradução de textos comunistas, principalmente da Revolução Cultural chinesa.
No entanto, inicialmente, o termo era usado com ironia por ativistas de esquerda, que brincavam com as tentativas de estabelecer um discurso moralista rígido.
Com o passar do tempo, a ironia cedeu espaço a um propósito mais sério: desafiar preconceitos e promover mudanças sociais. A ideia era simples, mas poderosa: a linguagem importa. Palavras podem perpetuar desigualdades, humilhar minorias e reforçar preconceitos históricos.
Dessa forma, os defensores do politicamente correto buscavam criar um espaço de respeito e inclusão por meio da transformação do vocabulário e das atitudes.
Quando a crítica entrou em cena
A ascensão do politicamente correto não aconteceu sem resistência. Na década de 1980, a direita americana começou a associar o termo a censura, vitimismo e ataques à liberdade de expressão.
Para críticos, o politicamente correto seria uma espécie de “ditadura cultural”, uma referência direta ao livro 1984, de George Orwell, onde um regime totalitário controla a linguagem e pune pensamentos divergentes.
Especialistas como Roger Scruton, filósofo conservador britânico, apontam que a reforma da linguagem, embora motivada por boas intenções, criou um “campo minado” para quem usa termos considerados inadequados. Scruton chegou a afirmar que o politicamente correto, ao tentar proteger minorias, muitas vezes cria um ambiente de intimidação pública e acusações injustas.
Essa crítica encontrou eco em discursos de líderes políticos. O ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, em sua posse em 2019, disse que o Brasil estava começando a “se libertar do politicamente correto”, enquanto o ex-presidente Lula, em 2022, reclamou que “o mundo está chato pra cacete” devido às restrições de humor associadas ao conceito.
Uma guerra cultural: os extremos do debate
O politicamente correto se tornou parte de uma guerra cultural mais ampla, especialmente nos Estados Unidos e no Reino Unido. Temas como direitos LGBTQIA+, aborto e racismo passaram a dividir sociedades em dois polos opostos: conservadores que rejeitam as mudanças e progressistas que as defendem.
Pesquisas realizadas pelo instituto Pew mostram como essas divisões se manifestam. Nos EUA, 65% dos eleitores democratas acreditam que é preciso cuidado com o que se diz para evitar ofensas, enquanto apenas 23% dos republicanos concordam com isso. No Reino Unido, apoiadores do Brexit expressaram medo de serem taxados como racistas por opiniões contrárias às políticas progressistas.
No Brasil, termos como “mimimi” e “mimizento” emergiram como críticas a pessoas vistas como sensíveis demais ou que denunciam preconceitos. No entanto, para defensores do politicamente correto, essas expressões são apenas formas de silenciar as minorias e perpetuar um discurso de opressão.
Politicamente correto no dia a dia
A transformação da linguagem foi uma das principais frentes do politicamente correto. Expressões como “cabelo ruim” ou “mulher ao volante, perigo constante” foram sendo substituídas por termos mais neutros ou inclusivos. Essa mudança ganhou destaque não só na esfera individual, mas também no ambiente corporativo.
Empresas passaram a enfrentar desafios ao alinhar campanhas de marketing com os princípios do politicamente correto. No Brasil, marcas como Always e Aspirina foram alvo de críticas após lançarem propagandas consideradas machistas. Ambas tiveram de se retratar publicamente, e a repercussão negativa afetou suas imagens.
Apesar das polêmicas, especialistas apontam que as empresas têm responsabilidade em promover uma linguagem mais humana e respeitosa. Campanhas publicitárias bem-sucedidas podem reforçar valores de inclusão e diversidade, enquanto deslizes podem levar a boicotes e danos financeiros.
O politicamente correto também deu origem a fenômenos contemporâneos, como o cancelamento e a linguagem neutra. O cancelamento, amplamente discutido nas redes sociais, ocorre quando figuras públicas ou marcas sofrem sanções sociais por comportamentos considerados ofensivos.
Críticos apontam que isso pode gerar um clima de perseguição e censura, enquanto defensores veem a prática como uma forma de responsabilizar aqueles que reproduzem preconceitos.
Já a linguagem neutra, que busca evitar distinções de gênero em palavras e expressões, é outro tema polarizador. Enquanto algumas pessoas veem sua adoção como um avanço na luta pela inclusão, outras a consideram desnecessária ou artificial.
Até onde o politicamente correto deve ir?
Afinal, onde está o limite? Para muitos, o politicamente correto é um avanço civilizatório que ajuda a combater preconceitos arraigados. Para outros, é um exagero que sufoca a liberdade de expressão e a espontaneidade.
Especialistas como Wilson Gomes, da Universidade Federal da Bahia, explicam que o politicamente correto é parte de uma luta maior: a luta identitária. Diferente da luta de classes, que foca na disputa pelos meios de produção, a luta identitária busca conscientizar minorias sobre sua condição de opressão e reivindicar mudanças no sistema.
Essa luta passa pela linguagem, porque as palavras têm poder. No entanto, como apontam críticos, apenas mudar as palavras não é suficiente. “Não adianta substituir uma expressão racista por outra se o racismo estrutural permanece”, conclui Gomes.
O impacto global do politicamente correto
O politicamente correto não é um fenômeno exclusivamente ocidental. Países como Alemanha, França e China também enfrentam debates sobre os limites da linguagem e os impactos sociais de palavras e atitudes.
Na Alemanha, uma pesquisa do Pew mostrou que a maioria da população concorda com a necessidade de evitar discursos ofensivos. Já na França, prevalece a visão de que as pessoas se ofendem facilmente. Essas diferenças refletem não apenas divisões ideológicas, mas também contextos culturais únicos.