No último dia 29 de outubro de 2024, a Comissão de Cultura e Educação do Senado Federal aprovou o Projeto de Lei 49/2015, conhecido como Lei do Preço Único ou Lei Cortez.
O projeto de lei, que limita os descontos sobre o preço de capa de livros recém-lançados a um máximo de 10% no primeiro ano após o lançamento, tem gerado intensos debates entre parlamentares, entidades do setor editorial, livreiros e consumidores.
A proposta, que ainda precisa passar pela Câmara dos Deputados, busca promover um mercado editorial mais equilibrado, proteger pequenas livrarias e ampliar o acesso à leitura.
Objetivos e Justificativas do Projeto
A então senadora e atual governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT), é a autora do projeto. Segundo ela, a Lei do Preço Único tem como meta fortalecer a Política Nacional do Livro, criando condições mais justas de competição no mercado editorial nacional.
O modelo busca evitar que grandes varejistas, como a Amazon, apliquem descontos excessivos em lançamentos, o que muitas vezes inviabiliza a sobrevivência de livrarias independentes.
A proposta também pretende incentivar a abertura de novos pontos de venda de livros e fomentar a bibliodiversidade, permitindo que editoras menores e publicações alternativas tenham mais espaço no mercado.
Países como França e Alemanha já adotam leis semelhantes desde os anos 1980, e, de acordo com especialistas, os resultados têm sido positivos, com aumento do número de livrarias e maior estabilidade no setor.
Mas é importante salientar que os brasileiros tem pouco acesso à livro, principalmente em cidades que estão fora do eixo Rio-São Paulo. Para esse público, descontos como os oferecidos pela Amazon fazem toda a diferença na hora de comprar um livro.
As livrarias, além de não serem democráticas quanto à sua disposição de acesso (não estão em todos os lugares), costumam colocar o valor do livro mais caro. Desse modo, a mudança na lei pode acabar prejudicando leitores que já tem pouco acesso à literatura.
Principais Regras da Lei
O projeto estabelece que o preço de capa dos livros será definido pelas editoras, e o desconto máximo permitido no primeiro ano de lançamento será de 10%. A proposta inclui tanto as edições físicas quanto as digitais e amplia o congelamento de preços para as reedições durante o mesmo período de 12 meses.
Há, no entanto, algumas exceções previstas, como:
- Obras raras, antigas, usadas ou esgotadas;
- Publicações destinadas a colecionadores com tiragem limitada a 100 exemplares;
- Livros adquiridos por instituições públicas ou entidades subsidiadas pelo governo.
Além disso, edições subsequentes à segunda não estarão sujeitas ao congelamento de preços.
Impacto no Mercado Editorial
Atualmente, o mercado editorial brasileiro enfrenta desafios estruturais. Desde 2014, o setor vem sofrendo quedas significativas de faturamento, com destaque para o encolhimento de 55% nas vendas de livros técnicos e científicos entre 2014 e 2019. A ascensão do e-commerce, que cresceu 84% em participação no faturamento das editoras apenas em 2020, também trouxe dificuldades para livrarias físicas, que não conseguem competir com os preços agressivos de gigantes como a Amazon.
De acordo com o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL), a fixação de preços para lançamentos pode trazer mais equilíbrio ao mercado. Dante Cid, recém-empossado presidente da entidade, destacou que a proposta ajuda a evitar “canibalização de preços” por plataformas que não têm o livro como produto principal.
Já a Câmara Brasileira do Livro (CBL) reforçou que o foco não é tabelar preços, mas limitar os descontos em lançamentos para oferecer condições de concorrência mais justas. A presidenta da CBL, Sevani Matos, também enfatizou a importância de iniciativas que protejam a cadeia produtiva do livro e garantam acesso à cultura.
Opiniões Divergentes
Embora o projeto tenha sido bem recebido por diversas entidades e livreiros, também enfrenta críticas. Parlamentares da oposição, como Rogério Marinho (PL-RN) e Astronauta Marcos Pontes (PL-SP), argumentam que a lei representa um entrave burocrático que vai na contramão da livre iniciativa.
Para eles, a fixação de preços pode prejudicar a competitividade e afastar os consumidores. “Não se estimula a concorrência com uma tese anacrônica como essa”, disse Marinho.
Perspectivas para Consumidores e Livrarias
Uma das preocupações frequentes sobre a Lei do Preço Único é seu impacto no preço final do livro. O receio de que a regulamentação leve ao aumento de preços é um argumento recorrente entre críticos. No entanto, especialistas apontam que a medida pode ter efeito contrário.
Samuel Seibel, proprietário da Livraria da Vila, explicou que o controle dos descontos beneficia pequenos varejistas e impede que os preços sejam inflacionados pela lógica de promoções agressivas. Segundo ele, o modelo praticado na França resultou na abertura de mais livrarias e na redução dos preços finais, desmistificando a ideia de que a regulamentação tornaria os livros mais caros.
José Luiz Tahan, da Realejo Livros, reforça que a lei visa a proteger especialmente os lançamentos, que representam apenas 5% do total de livros vendidos anualmente. A medida, segundo ele, não interfere nos descontos de títulos mais antigos, que podem continuar a ser vendidos com preços promocionais.
Próximos Passos da Lei no Congresso
Após ser aprovada pela Comissão de Cultura e Educação, a Lei Cortez ainda precisa ser analisada pela Câmara dos Deputados. Caso aprovada, seguirá para sanção presidencial. Apesar do apoio de entidades do setor, a tramitação ainda enfrenta resistências, como as emendas propostas pela senadora Damares Alves (Republicanos).
Essas emendas buscavam excluir os livros digitais da regulamentação e reduzir o prazo de congelamento de preços para seis meses, mas foram rejeitadas pela relatora Teresa Leitão (PT-PE).
O Futuro do Mercado Editorial Brasileiro
A Lei do Preço Único representa uma tentativa de revitalizar o mercado editorial brasileiro em um momento de transformação acelerada pela digitalização e pelas mudanças nos hábitos de consumo. Com o crescimento do e-commerce, as livrarias físicas enfrentam desafios para se manterem competitivas, e a regulamentação pode ser uma resposta para equilibrar forças no setor.
Enquanto a proposta avança no Congresso, o debate sobre seu impacto no acesso à leitura e no custo dos livros continua. Para entidades como a SNEL e a CBL, a regulamentação é um passo essencial para garantir que o livro permaneça acessível, sem prejudicar pequenos comerciantes e editores independentes.
O desfecho desse debate será crucial para o futuro da bibliodiversidade no Brasil e para a construção de uma política cultural que valorize a leitura como ferramenta de transformação social. O que está em jogo, afinal, é o equilíbrio entre acessibilidade, competitividade e a sustentabilidade do mercado editorial.