Nos últimos tempos, um fenômeno peculiar tem ganhado notoriedade nas redes sociais, especialmente entre adolescentes e jovens: o movimento therian.
Esse comportamento, que envolve pessoas que se identificam com animais, se expressando através de gestos, posturas e até mesmo o uso de acessórios que remetam a animais, começou a chamar a atenção de especialistas, internautas e até celebridades. Mas, afinal, o que é ser um therian? E por que essa tendência tem atraído cada vez mais jovens?
O conceito de therian tem ganhado cada vez mais visibilidade em plataformas como TikTok e Instagram. Recentemente, vídeos de pessoas usando máscaras de animais, latindo ou andando de quatro, viralizaram na internet, criando discussões sobre o significado desse comportamento.
Em 2023, por exemplo, um encontro peculiar em Berlim, na Alemanha, gerou grande repercussão, com pessoas vestidas como cachorros, latindo e interagindo umas com as outras. Esse episódio acendeu a curiosidade sobre a comunidade therian, que já estava se expandindo nas redes sociais.
De maneira geral, os therians são pessoas que sentem uma ligação profunda com um animal específico, a ponto de se identificarem com ele em sua essência. Essa identificação vai além da mera apreciação por um animal; trata-se de um sentimento que parece transcender o físico. Para muitos, é uma forma de expressar uma “verdadeira” identidade que, de alguma maneira, está desconectada da humana.
O comportamento therian: Entre o real e o imaginário
Muitas vezes confundido com outras subculturas, como a dos furries, o movimento therian se distingue pela maneira como seus participantes veem a sua identidade.
Enquanto os furries costumam usar trajes e acessórios de animais como uma forma de expressar uma identidade ficcional ou de fantasia, os therians não estão interpretando um personagem. Para eles, sua identificação com o animal é uma parte profunda e fundamental de quem são.
Entre as espécies mais comuns com as quais os therians se identificam estão raposas, lobos, gatos e águias. Cada pessoa pode experimentar essa sensação de identificação de forma única, seja por meio de sonhos, sentimentos de “membros fantasmas” ou até mesmo por comportamentos espontâneos que imitam o animal com o qual se identificam.
O lado psicológico
De acordo com psicólogos e especialistas em saúde mental, o comportamento therian não deve ser visto como uma simples modinha, mas sim como algo que pode ser analisado de maneira mais profunda.
Rodrigo Acioli, conselheiro do Conselho Federal de Psicologia, sugere que, apesar de ser considerado um modismo por algumas pessoas, é necessário observar se esse comportamento causa algum tipo de prejuízo à vida da pessoa, como dificuldades nas relações sociais ou problemas emocionais. Caso isso aconteça, é importante procurar ajuda profissional.
Por outro lado, Maiara Soares, psicóloga comportamental, ressalta que, como qualquer movimento relacionado à complexidade da mente humana, o comportamento therian deve ser analisado individualmente.
Segundo ela, um diagnóstico completo é necessário para entender se a identificação com um animal é uma expressão legítima da identidade ou se está relacionada a algum tipo de distúrbio psicológico.
Identidade animal e a disforia de espécie
Para os therians, a sensação de pertencimento a uma espécie animal, apesar de estar fisicamente em um corpo humano, é algo profundamente genuíno. Muitas vezes, esse fenômeno é descrito como uma disforia de espécie, um termo que se refere à incongruência entre o que a pessoa sente ser e o corpo com o qual nasceu.
Embora esse fenômeno ainda seja menos conhecido do que a disforia de gênero, ele pode gerar sentimentos de desconforto, depressão e uma sensação de não pertencimento ao mundo humano.
Essa disforia pode ser bastante intensa. Por exemplo, uma pessoa que se identifica como um lobo pode sentir que suas ações, pensamentos e até suas emoções não se alinham com sua forma humana.
Alguns sinais comuns incluem a repetição de comportamentos do animal com o qual a pessoa se identifica, como latir, imitar o som de aves ou andar de quatro, além de ter sonhos frequentes em que a pessoa se transforma fisicamente no animal.
A psicanálise sugere que esse fenômeno pode ser uma tentativa de preencher um vazio existencial, tentando compensar algo que a pessoa acredita ser um “defeito de nascença”. Esse tipo de disforia, embora possa gerar confusão, também pode levar a um processo de autoconhecimento e à busca por aceitação.
A popularização do therian entre jovens
Embora a identidade therian exista há algumas décadas, ela tem ganhado uma nova dimensão, especialmente entre os jovens. As redes sociais, como TikTok e Instagram, têm sido plataformas fundamentais para a disseminação dessa tendência.
Páginas com milhões de seguidores mostram pessoas que vivem o dia a dia imitando comportamentos de animais, muitas vezes com o uso de fantasias, máscaras ou acessórios que reforçam essa identidade.
No Japão, o fenômeno tomou um rumo ainda mais curioso. Toco, um homem japonês, ficou famoso após gastar cerca de R$ 75 mil para comprar uma fantasia realista de border collie, um cão da raça conhecida por sua inteligência. Toco, que sonha em viver a vida como um cachorro, passou a ser amplamente discutido nas redes sociais, gerando debates sobre o que é real e o que é ficção nesse comportamento.
Apesar das críticas de alguns internautas que veem o movimento como uma modinha, muitos participantes do movimento defendem que ser therian não é uma simples escolha ou uma brincadeira. Eles acreditam que essa identificação com os animais é uma forma legítima de expressar quem realmente são.
Como os therians lidam com o preconceito?
Por ser uma subcultura que ainda é pouco compreendida pela sociedade em geral, os therians enfrentam um certo grau de preconceito. Eles frequentemente são ridicularizados ou considerados excêntricos por aqueles que não entendem sua forma de viver e de se expressar.
Muitos também enfrentam críticas por parte de outros grupos, como os furries, que têm uma abordagem mais lúdica e menos intensa sobre a identidade animal.
A venda de acessórios, como máscaras de animais e caudas de pelúcia, tornou-se um negócio em crescimento dentro da comunidade therian.
Esses itens são usados por aqueles que buscam vivenciar mais intensamente sua identidade animal, mas também se tornaram uma forma de combater o preconceito, ao permitir que os therians se expressem de maneira visível e aceitem sua identidade sem medo de julgamentos.
Além disso, muitos participantes do movimento também utilizam as redes sociais para defender os direitos dos therians e combater o preconceito que enfrentam. Eles buscam aumentar a conscientização sobre o que é ser therian e como essa identidade pode ser uma parte fundamental da pessoa, sem ser vista como uma forma de “modismo” ou “excentricidade”.
O que dizem os especialistas sobre o fenômeno?
Os especialistas em saúde mental observam que, assim como qualquer movimento social ou tendência, o comportamento therian deve ser analisado dentro de seu contexto. Como qualquer identidade, ele pode ser um reflexo de uma busca por pertencimento, expressão pessoal ou uma forma de lidar com questões emocionais mais profundas.
Para aqueles que enfrentam dificuldades devido a essa identificação, a ajuda profissional pode ser essencial para entender melhor esse comportamento e encontrar formas saudáveis de lidar com ele.
Rodrigo Acioli, do Conselho Federal de Psicologia, alerta que é importante observar se a identificação com o animal está afetando negativamente a vida da pessoa, como em suas relações pessoais, trabalho ou saúde mental. Quando isso acontece, pode ser necessário buscar ajuda de um psicólogo ou psiquiatra especializado.